Eu a Pâ nos conhecemos a pelo menos uns 5 anos.Depois que tive Arthur e sofri violência obstétrica, decidi me tornar doula. Pâ sempre falava que ia esperar eu me formar e só então engravidaria.. que eu seria sua doula.
Me formei e 2 semanas depois ela me da noticia da gravidez. Alegria sem fim!!
Pamela teve outras 2 gestações antes dessa, uma onde ela teve um parto induzido de sua filhinha Ananda, em óbito por S. de Turner e um aborto. A noticia da gravidez criou expectativas e emoção, a torcida entre as amigas era enorme e logo descobrimos que Alberto viria ai.
O sonho da Pa era um parto domiciliar, ela buscou de todas as formas que encontrou, mas infelizmente não rolou. Pa não fez enxoval, chá de bebê..nada.. economizou ao máximo para ao menos poder vir para Florianópolis ter seu filho aqui, onde as condições se apresentam melhores do que onde ela mora.
Ela veio, ficou na casa dos pais.O plano era ir para o HU. Gravidez rolou maravilhosamente bem e Alberto sendo muito desejado e aguardado por todos que conhecem e amam a Pa e o Léo!
Quinta-feira, dia 6 de março Pa me envia uma mensagem avisando que o tampão mucoso havia saído. Fiquei alerta, mas sabia que poderia demorar. As 16:19 ela me envia outra mensagem: “Estourou a bolsa..to vazando. Kkkkkk”
Pa estava mega preparada, avisou que estava sem contrações e que ia pro banho e bola e eu como moro longe dela, comecei a me deslocar.
As 18:40 chego na casa dela, ela no chuveiro, na bola...conto as contrações.. Estava em TP ativo. Aguardamos um tempo e ela achou melhor irmos para o HU avaliar.
No trajeto ela tinha contrações fortes e duradouras, intervalo curto entre elas, o Léo ainda não havia chegado em Floripa. Chegamos no HU e fomos pra maternidade, conversei com a enfermeira de plantão, Pa com muitas contrações e vocalizando (aaaaaaa) , respirava fundo.. Veio medica avaliar...3 para 4 cm... e vai conversar com a equipe... ela volta e solta a bomba: Superlotação, uma ambulância está vindo pegar vcs para levar para Carmela Dutra. Pamela pediu que não, disse que não queria, eu tentei argumentar... mas nada feito. Falei que estávamos de carro e que a ambulância era desnecessária. Pegamos o encaminhamento e saímos... Conversei com ela..falei que podíamos voltar pra casa, aguardar mais um tempo e só ir pra Carmela na hora P, ela achou válido, mas no caminho preferiu ir para Carmela.
Chegamos lá , já na triagem parecia que não ouviam a gente..tivemos que falar umas 3 vezes que bolsa já estava rota, que tínhamos encaminhamento e que não era a primeira gestação. Veio uma residente e fez outro toque. 4 para 5 cm. E questionou o porque só viemos essa hora se a bolsa havia rompido as 16h.. (chegamos lá as 21h).. Falei que ela não tinha contrações, que só se iniciaram de fato as 18h e por isso não havíamos saído de casa. Nos encaminharam pra um ambulatório e uma enfermeira falou :
“ Agora tu sai..aqui ela fica sozinha pra medicação.”
Pamela como uma leoa urrou: Não! Ela fica! Eu tenho direito a acompanhante.
Enfermeira: “ Mãezinha , tem que entender que aqui é só paciente.É rotina daqui, tem outras pacientes aqui também.”
Pa: Elas também tem direito.
Eu: Olha, eu entendo, mas que medicação vão dar nela? E quanto a minha presença, eu entendo que seja rotina daqui, mas nenhuma regra interna tá acima de uma lei federal, se quiser posso trazer aqui...”
Enfermeira: “Não sei qual medicação...” E saiu bufando.
Então nos mandaram para um consultório, onde fomos recebidas por uma acadêmica de medicina (Julie), ela nos recebeu bem e então conseguimos falar sobre o plano de parto. Falamos que ela havia mudado de cidade para ter um parto humanizado e que o plano era Hu, mas que estava superlotado e que sabíamos como eram as rotinas da Carmela...ela nos olhou...suspirou e disse: é.. é bem diferente. Infelizmente não sou eu que ficará contigo lá dentro, mas vamos ver o que conseguimos!
Uma esperança se acendeu. Foi feita a internação... A Julie teve que refazer toda a triagem porque a enfermeira não havia salvo o histórico.
Ficamos ali por um bom tempo.. o que evitou mais transtornos... feita a internação fomos pra o chuveiro, havia uma cadeira lá, perguntei se podia por a bola ali ao invés daquela cadeira, a enfermeira concordou e ajudou a fazer a troca. Pamela ficou ali, logo Léo chegou e veio dar um beijo nela, deixe ambos a sós para conversarem, se despediram e ficamos eu e ela ali. Infelizmente no SUS só permitem a presença de um acompanhante, a doula é vista como acompanhante também. O plano pro HU era trocarmos no expulsivo, na Carmela, Pamela preferiu que eu ficasse por sabermos que seria mais complicado.
O chuveiro era horrível e do nada parava de funcionar e vinha água gelada.Pedimos pra trocar, conseguimos. Ela ficou mais de 40 minutos no chuveiro e na bola, contraindo muito e vocalizando, até que pediram para ela sair para ser examinada novamente.
BCFs lindos e no exame de toque 6cm para 7 cm! Pamela com muita dor, não queria ficar fora da bola e do chuveiro quente, assim que o único chuveiro foi desocupado novamente voltamos pra lá, a residente mostrou em um quadro onde tem desenhado as dilatações onde ela estava , 7cm. “Falta pouco,Pâ! Vamos lá!”,disse eu. E fomos pro chuveiro.
Mais de 1 hora lá.. Pâmela indo muito bem! Sentia sede, mas não permitiam que ela tomasse água.. eu “contrabandeei” água para ela. Logo a médica pediu que ela saísse para ser feito novamente procedimentos clínicos. Pâmela relutante saiu.
A Residente pediu que então se deitasse para poder auscultar os batimentos do Alberto, Pâmela disse que não conseguia ficar deitada por causa da dor, ela insistiu dizendo que precisava fazer isso e que deitada era melhor. Pamela lembrou-a que o residente anterior, havia feito a rotina com ela sentada. Pamela disse que não conseguia pois deitar doía muito. A residente saiu e voltou com a médica e com o aparelho de cardiotoco. Com uma pressão psicológica enorme a médica convenceu Pâmela a fazer o cardiotoco , disse que seriam 20 minutos apenas e que depois ela poderia ficar na bola e na água sem problemas. Pâmela pediu pra ser feito um toque para saber a quantas ela estava.. médica iniciou o toque e disse “humm 5cm!” Pâmela num salto: “como 5 cm?? Tá diminuindo?? A 1 h eu estava com 7cm!”
“Não, você está com 5cm, quem disse que estava com 7??” A residente que havia feito o toque estava ao lado da médica ficou calada e ambas, eu e Pâmela, apontamos : “ela!” ... “É..mas não..você está com 5cm! “
Acalmei a Pâ e começou o exame... nesse momento chegou uma outra mulher já parindo , só conseguia ouvir as médicas falando “ não grite assim, você vai assustar outras mãezinhas, você não pode ficar assim, tem que ser assim’.. levaram-na para sala de parto.
20 minutos passaram e outra médica veio ver a Pâmela, olhou o cardiotoco e viu que o papel não havia saído, eu disse que acompanhei e que os batimentos continuavam muito bem, ela concordou e disse , é esse papel não é importante. Arrumou o papel que começou a sair e saiu dali... Voltou a outra médica e Pâmela disse que já estava ali a mais de 20 minutos e que PRECISA mudar de posição. Ela olhou e percebeu que só havia saído um pouco do papel do cardiotoco e disse que ela teria que ficar mais 20 minutos. Então me meti e disse: mas ela já ficou os 20 min, a outra médica disse que esse papel não é importante, porque fazer ela ficar assim sendo que ela está claramente sofrendo assim? “ Ela precisa fazer esse exame” Ela já fez. Nisso Pâmela disse que já havia feito e que precisa mudar de posição, veio a residente, a médica disse que tudo bem mas que iria anotar no prontuário dela que ela se recusou a fazer o cardiotoco, Pâmela me olhou e eu falei: Ela não se recusou.. ela fez. Vocês mesmas disseram que o papel não era importante, porque insistir nisso? Elas insistiram .. Pâmela começou a chorar e então pediu analgesia, disse que sem analgesia não suportaria ficar naquela posição, a médica disse que não poderia dar, que só tinha um anestesista e que ele ficava de plantão pra casos de emergência. Ofereceu um Buscopam para Pâmela , ela aceitou. Uma outra médica ficou ali...
Pâmela gritava.. “Não grite assim.. tem outras mães aqui “ Pâmela então gritava mais.
E disse : “eu não quero ficar deitada!” a médica disse: Mas na hora de ganhar o bebê você ficará deitada também”
Pâmela: “ Porque??”
Médica: “Não temos aquela cadeira de cócoras como no HU.. você vai ter deitada”
Pâmela: “Não vou não...!”
A médica então me olha e pergunta “Já foi feita a tricotomia nela?”
Eu: “Já..ela mesma depilo como gosta”
Médica: “Mas fizeram a tricotomia pra episio?”
Pâmela num susto “Mas eu não quero episiotomia!!”
Médica: “ Olha.. eu entendo essa onda de parto normal, mas aqui seguimos evidências”
Então minha boca foi mais rápida que meu pensamento: “evidências de 30 anos atrás não contam mais como evidências”
Médica: “Vocês tem que aprender a respeitar médicos!”
Eu: E vocês a ouvirem suas pacientes,
Então ela saiu.
Pâmela já estava a quase 1 hora naquela posição e então o que estava ruim , piorou.. após cada contração os batimentos do Alberto começaram a cair.. vinha contração, nenhuma alteração, a contração parava e havia uma queda significativa.
Então a médica veio e disse que estava tendo uma queda, que ela já estava a um bom tempo em TP e que ia falar com o médico responsável do plantão (que atua também na clinica recordista de cesarianas aqui em Florianópolis, 95% de cesarianas), voltou e disse: “O que eu mais queria era que você tivesse o parto deseja, mas tudo indica que teu filho está entrando em sofrimento fetal e não queremos que você passe por outro sofrimento, a cesariana foi indicada pelo dr.”
Pâmela sucumbiu ao choro. E começou a falar com a médica.. “se eu fizer a cesariana, é possível que baixem o campo cirúrgico para eu poder ver ele nascer, eu não quero que passem crede nele, não quero que deem banho, nem colírio, e eu queria muito que esperassem o máximo possível pra cortar o cordão...”
A médica consentiu com tudo, disse que tornaria esse momento o melhor possível e que nada seria feito sem o consentimento dela.
Pâmela me abraçou , eu perguntei se ela queria que eu chamasse o Léo, ela disse que preferia que eu ficasse pra assegurar que tudo fosse feito como ela pediu.. Chorando, Pâmela se preparou para uma cesariana.
Vesti a roupa e percorri o mesmo caminho que havia feito há 3 anos atrás, quando eu mesma passei por uma cesariana naquela maternidade. Fiquei em uma ante sala , aguardando o momento de entrar. Quando me chamaram percebi que era a mesma sala onde eu também fui operada. Fiquei ao lado dela, segurando sua mão. O anestesista abaixou o campo “nem vai poder ver nada...”.. por instantes ele deixou o campo abaixado e logo o ergueu, Pâmela conseguiu ver Alberto, lindo e muito bem! A médica logo clampeou o cordão e se dirigiu a mim “já parou de pulsar ó..” .. Óbvio que não, mas não iria discutir isso naquele momento, só a olhei com reprovação. Pâmela pediu que eu ficasse perto do Alberto, ele estava em um berço aquecido sendo avaliado e então passaram sonda por todos os orifícios possíveis da face dele... Apgar 9/10 nesse momento olhei para médica que nada falou.
Logo chegou a pediatra e disse: “Agora, mãezinha, nós vamos levar seu filho pra dar banho e cuidar dele, logo ele volta pra você”
Pâmela, sendo suturada: Não quero que deem banho nele nem coloquem colírio, nem nada.
Pediatra então começa a discutir com a Pâmela enquanto ela ainda está sendo suturada “ Porque você não quer? Como assim? Qual sua justificativa pra isso??”
Pâmela: “Porque eu sou a mãe e não quero !”
Pediatra: ! você vai ter que assinar um documento se negando a iss..
Pâmela a interrompeu, me passa aqui, eu assino agora!! Laura pega ele!
Pediatra então saiu..enfermeira me passou Alberto, falei pra Pâ que ficaria tudo bem e que logo voltaria com ele. Descemos , a enfermeira começou a me perguntar se ele ficaria daquele jeito sujo mesmo... eu disse que sim. Passei uma gaze no cabelos loiros de Alberto, coloquei sua roupinha, os pais de Pâ e o Léo vieram e acompanharam tudo por um vidro, então o aproximei e por uma janelinha pequena eles tocaram o pequeno Alberto! Lindo!
A enfermeira enrolando preenchendo papeis e eu já ansiosa pra leva-lo pra Pâmela.. acabou que ficamos mais de hora lá embaixo até que ela disse que levaria Alberto, eu disse que ficou claro que a Pâmela queria acompanhante em todos os estágios do parto [pré,parto e pós], ela ligou pra alguém e logo eu subi com Alberto, a mamada na primeira hora já havia sido perdida, entreguei o Alberto pra Pâmela, dei-lhe um beijo, conversamos por minutos e me retirei para dar lugar ao Léo.
Sai dali com um peso na alma, uma dor no coração.. de ver tanta violência contra uma mulher em momento que deveria ser tranquilo e respeitado. Abracei o Léo e fiquei conversando com os pais da Pâmela, contei como tudo tinha acontecido e como seria importante nosso apoio agora. Vim para casa e chorei.
Pâmela foi uma guerreira, foi incrível e maravilhosa! Voltei a vê-la no outro dia e conversamos por alguns instantes. Nos dias que se seguiram conversamos mais e a dor veio a tona. Pâmela entrou para as estatísticas de violência obstétrica.
Hoje, Alberto já tem 2 meses e alguns dias, um lindo loiro de olhos azuis e tem uma mãe maravilhosa que está dando a volta por cima e que tem feito da dor a força pra seguir adiante e plantar a semente da humanização do parto!
Primeiro encontro
Pamela e Alberto com 2 meses.