No dia 8 de junho de 2014, acompanhei um trabalho de parto
em uma maternidade de Florianópolis/SC. O trabalho de parto fluía bem e a
gestante era respeitada, chegando aos 8 cm de dilatação sem dores fortes. Houve
troca de plantão e a conduta adotada pela nova plantonista, que vinha a estar
em seu primeiro dia de trabalho naquela maternidade e que, segundo a médica
anterior, nunca havia acompanhado um parto humanizado daquela forma, foi
totalmente intervencionista, ao contrário do solicitado pelo plano de parto.
A maternidade, em sua entrada, estampa uma placa “Parto
Humanizado”, entende-se por parto humanizado o evento em que as decisões e
escolhas da parturiente são respeitadas e as indicações clínicas são dadas de
forma a serem uma opção e nunca uma imposição médica. Protocolos clínicos não
são colocados acima do desejo e expectativas da parturiente e acompanhante.
Parturiente e acompanhante tem voz ativa e sua intimidade respeitada por toda
equipe e quando é necessário tomar uma decisão sobre o andamento do parto, tem
sua privacidade respeitada para tal sem serem pressionados.
Durante as 12 horas do plantão da médica, o que vimos foram
intervenções desnecessárias, pressão, falta de tato, desrespeito,
desencorajamento e total desconhecimento do que é ou como proceder em um parto
humanizado. Foram 11 toques e auscultas em 12h de plantão. Alguns exames de
toque, ela tocava, vinha a contração, ela esperava e tocava novamente. Sendo
que em todas as vezes, exceto uma, ela solicitou que a gestante saísse da
banheira para tais procedimentos e permanecesse deitada (litotomia).
A médica me questionou se a gestante pretendia ter o parto
na água, confirmei a informação, e ela se mostrou duvidosa se isso seria
possível.
Sempre constatou os mesmos 8 cm, porém, no prontuário que
o pai, Lucas Abad, solicitou na saída da
maternidade, está anotado 9 cm. O que nunca foi repassado para a parturiente,
vindo a causar grande frustração e pressão.
Um pouco antes da meia noite a médica informou que iria
estourar a bolsa artificialmente. A gestante e o pai pediram que ela esperasse
mais um pouco, porque eles gostariam que se rompesse naturalmente, a médica
protestou, mas aceitou com a condição de que, se na próxima meia hora (30
minutos) não houvesse evolução, ela iria intervir. Como doula, acalmei a ambos
com a ajuda da fotógrafa, que tem experiência em partos. Aline foi descer e
subir escadas com a fotógrafa enquanto eu providenciava alimento para os
acompanhantes e conversava com eles para acalmá-los. Logo me juntei a elas. Já
cansada, Aline pediu pra ir para o quarto, sentou na bola, o marido sentou
atrás dela e eu na sua frente, ficamos ali por mais um tempo, com cenas lindas
entre marido e esposa. Logo a médica retornou, acendendo as luzes.
As 00h do dia 9 de junho de 2014 a médica voltou, solicitou
que ela deitasse, quando foi realizar o toque, Aline sentiu a bolsa romper,
antes que a médica pudesse fazer algo. Ao fazer o toque, 8 cm e informou que se
permanecesse assim na próxima hora ela iria intervir com ocitocina sintética ou
uma cesariana. Saiu da sala de parto deixando um pai inconformado e uma mãe
aterrorizada.
Novamente como doula, acalmei o casal. Lucas me disse que
não teria mais forças para confrontar a médica, eu disse que isso não seria
preciso, que bastava ele e Aline negarem a cesariana, sem discussões.
Aline então foi para o chuveiro e começou uma série de
exercícios, a essa altura a banheira havia simplesmente parado de funcionar,
tendo sido esvaziada e enchida por 2 vezes pela fotógrafa e uma enfermeira.
Deixamos ela sozinha com seus pensamentos por alguns instantes, a pedido dela.
Depois pediu que eu ficasse com ela e solicitou que não a deixasse desistir.
A médica dessa vez demorou um pouco mais de 1h para
retornar, o que de certa forma causou um alivio em todos, mas o clima de tensão
ainda pairava no ar. Pediu que Aline saísse para ser examinada, solicitou que
ficasse deitada, auscultou, novo toque, 8 cm e indicou a cesariana. Pediu
licença e saiu da sala. Aline me olhou apavorada, Lucas nervoso. Acalmei-os
como pude. A médica retornou e disse que indicava a cesariana por parada da
evolução no trabalho de parto. Lucas então falou que eles não gostariam de uma
cesariana, perguntou se estava tudo bem com a bebê, a médica confirmou que sim,
mas que isso poderia mudar, Lucas então pediu para esperar mais, pois sabia que
o trabalho de parto poderia parar em algum momento e isso não era indicação de
cesariana, a médica então afirmou que sim, era uma indicação, pois ela estava
indicando. Me levantei e disse que ia deixar eles ali, para conversarem sobre o
que iam decidir, a médica achou pertinente e saiu também. Médica saiu para
recepção da enfermagem, enquanto eu permaneci na antessala da sala de parto.
Entrei e eles estavam decididos a esperar mais. A médica entrou, ouviu
contrariada a decisão do casal e deu o prazo de mais 1h.
Voltamos para o chuveiro, bola, chuveiro. Aline cansada.
Propus que ela deitasse um pouco de forma que ficasse confortável e procurasse
descansar, pois o corpo precisa de um descanso muitas vezes, mesmo durante o
trabalho de parto. Ela deitou por alguns minutos, agradeceu. E novamente me
pediu que não a deixasse desistir. Ela sentia fome. A fotógrafa foi até as
enfermeiras solicitar algo para Aline comer, a médica então negou. A médica
veio 30 minutos depois e auscultou novamente.
Aline preferiu então sentar em uma poltrona, ajudei a
acomodá-la e ela conseguiu descansar um pouco.
O medo causado pela pressão da médica fez com que Aline
travasse, liberando adrenalina e diminuindo sua produção de ocitocina. O plano
dela e do esposo, era aguardar a troca de plantão. Resistir. Estavam cientes de
sua decisão e empoderados.
Essas cenas se repetiram até as 6h da manhã, quando então
Aline estava no chuveiro e tinha a companhia do esposo, enquanto eu aguardava
na antessala, um momento de intimidade para os dois conversarem e quem sabe
aumentar a produção de ocitocina. Novamente a médica adentrou a sala, ouvi
vozes mais alteradas e entrei. Fiquei escorada na cama, com a médica de costas
para mim na porta do banheiro, Lucas argumentando com ela e Aline no chuveiro,
tentando se concentrar em vão.
Sugeri que eles conversassem no quarto, para que Aline
pudesse se concentrar, concordaram, encostei a porta do banheiro e disse à
Aline que chamasse se precisasse de algo.
Médica alterada, Lucas argumentando que eles não queriam uma
cesariana, já que a bebê e a mãe estavam bem. Nesse momento, Lucas me olhou e
eu perguntei para a médica se poderia esperar ao menos mais 1h, ela então disse
que não e que ligaria para o médico que fez o pré-natal deles. Essa discussão
durou 30 minutos.
A médica saiu, abracei o Lucas que estava exausto pela
situação, conversei com ele e fui ficar com a Aline para que ele se
acalmasse. Logo, ele voltou e deixei-os
novamente sozinhos para que conversassem. A médica voltou e foi falar com eles.
Ela afirmou que a confiança médico-paciente havia sido quebrada e que ela não
poderia mais acompanhar eles, Lucas disse que tudo bem, que eles aguardariam o
próximo plantonista, ela disse que ele teria a mesma conduta dela. Ela retornou
mais 2 vezes antes da troca de plantão.
Trocou plantão, tentei religar a banheira, sucesso, voltou a
funcionar. O novo plantonista deu uma injeção de animo em todos, fez toque e
afirmou que ela estava realmente com 8 cm, com um edema no colo uterino, que
poderia ter sido causado pelo excesso de toque, falou que a bebê estava bem,
que ela estava indo muito bem, indicou que ela se exercitasse e que tudo daria
certo, falamos que ela estava com fome, ele ficou surpreso por não terem dado
nada a ela e permitiu que ela recebesse um belo café da manhã. Aline comeu e
com mais ânimo retornou à banheira, onde cansada de todo stress, dormiu. O que
se segui depois foi respeito pelo seu espaço e autonomia. Não houveram toques
de hora em hora. Não houveram prazos.
Aline acabou em uma cesariana devido ao edema que não cedeu,
as 13h 18 min.
A presente nota antecede o relato de doulagem e parto que terá mais detalhes de momentos lindos que houveram durante o tempo que o parto da Aline e do Lucas fora respeitado.
A presente nota antecede o relato de doulagem e parto que terá mais detalhes de momentos lindos que houveram durante o tempo que o parto da Aline e do Lucas fora respeitado.
Ressalto que como doula, jamais interfiro nas DECISÕES da
equipe médica, meu papel é informar e auxiliar o casal quando solicitada e essa
foi minha conduta, como doula estou à disposição da família e assumo minha
responsabilidade perante meus atos.
Apesar de tudo que presenciei e
testemunhei, em momento algum confrontei a médica. Mesmo vendo que o parto
humanizado não estava sendo respeitado naquela instituição.
Em momento algum interferi em suas decisões. As objeções foram feitas pelo casal ,que estavam muito bem informados e empoderados, seguros de suas decisões. Se transmitir informação durante a gestação a um casal que solicita é interferir no trabalho de uma médica, então eu me declaro culpada disso, pois jamais deixaria de passar informação correta, coerente e cientificamente embasada aos casais, gestantes e demais interessados que procuram por mim com esse fim. Meu trabalho como doula também é informar, não são apenas palavras de conforto, apoio e encorajamento, não são apenas técnicas de alívio da dor ou exercícios que estimulem o parto. O momento de usar essas informações não é decidido por mim e sim pelo casal.
Em momento algum interferi em suas decisões. As objeções foram feitas pelo casal ,que estavam muito bem informados e empoderados, seguros de suas decisões. Se transmitir informação durante a gestação a um casal que solicita é interferir no trabalho de uma médica, então eu me declaro culpada disso, pois jamais deixaria de passar informação correta, coerente e cientificamente embasada aos casais, gestantes e demais interessados que procuram por mim com esse fim. Meu trabalho como doula também é informar, não são apenas palavras de conforto, apoio e encorajamento, não são apenas técnicas de alívio da dor ou exercícios que estimulem o parto. O momento de usar essas informações não é decidido por mim e sim pelo casal.
Primo pelo bem estar das famílias que me contratam, físico e
emocional e jamais faria algo que pusesse em dúvida meu comprometimento com a
causa da humanização ou prejudicasse a parturiente que acompanho.
Portanto,
quaisquer maledicências que venham contra os fatos ocorridos, testemunhados e
presenciados por quem estava lá, não deverão ser levadas em consideração, serão
falácias sem qualquer validade.
Atenciosamente,
Laura Müller Sagrilo
Doula