sexta-feira, 20 de junho de 2014

NOTA DE ESCLARECIMENTO


No dia 8 de junho de 2014, acompanhei um trabalho de parto em uma maternidade de  Florianópolis/SC. O trabalho de parto fluía bem e a gestante era respeitada, chegando aos 8 cm de dilatação sem dores fortes. Houve troca de plantão e a conduta adotada pela nova plantonista, que vinha a estar em seu primeiro dia de trabalho naquela maternidade e que, segundo a médica anterior, nunca havia acompanhado um parto humanizado daquela forma, foi totalmente intervencionista, ao contrário do solicitado pelo plano de parto.

A maternidade, em sua entrada, estampa uma placa “Parto Humanizado”, entende-se por parto humanizado o evento em que as decisões e escolhas da parturiente são respeitadas e as indicações clínicas são dadas de forma a serem uma opção e nunca uma imposição médica. Protocolos clínicos não são colocados acima do desejo e expectativas da parturiente e acompanhante. Parturiente e acompanhante tem voz ativa e sua intimidade respeitada por toda equipe e quando é necessário tomar uma decisão sobre o andamento do parto, tem sua privacidade respeitada para tal sem serem pressionados.

Durante as 12 horas do plantão da médica, o que vimos foram intervenções desnecessárias, pressão, falta de tato, desrespeito, desencorajamento e total desconhecimento do que é ou como proceder em um parto humanizado. Foram 11 toques e auscultas em 12h de plantão. Alguns exames de toque, ela tocava, vinha a contração, ela esperava e tocava novamente. Sendo que em todas as vezes, exceto uma, ela solicitou que a gestante saísse da banheira para tais procedimentos e permanecesse deitada (litotomia).
A médica me questionou se a gestante pretendia ter o parto na água, confirmei a informação, e ela se mostrou duvidosa se isso seria possível.

Sempre constatou os mesmos 8 cm, porém, no prontuário que o  pai, Lucas Abad, solicitou na saída da maternidade, está anotado 9 cm. O que nunca foi repassado para a parturiente, vindo a causar grande frustração e pressão.

Um pouco antes da meia noite a médica informou que iria estourar a bolsa artificialmente. A gestante e o pai pediram que ela esperasse mais um pouco, porque eles gostariam que se rompesse naturalmente, a médica protestou, mas aceitou com a condição de que, se na próxima meia hora (30 minutos) não houvesse evolução, ela iria intervir. Como doula, acalmei a ambos com a ajuda da fotógrafa, que tem experiência em partos. Aline foi descer e subir escadas com a fotógrafa enquanto eu providenciava alimento para os acompanhantes e conversava com eles para acalmá-los. Logo me juntei a elas. Já cansada, Aline pediu pra ir para o quarto, sentou na bola, o marido sentou atrás dela e eu na sua frente, ficamos ali por mais um tempo, com cenas lindas entre marido e esposa. Logo a médica retornou, acendendo as luzes.  

As 00h do dia 9 de junho de 2014 a médica voltou, solicitou que ela deitasse, quando foi realizar o toque, Aline sentiu a bolsa romper, antes que a médica pudesse fazer algo. Ao fazer o toque, 8 cm e informou que se permanecesse assim na próxima hora ela iria intervir com ocitocina sintética ou uma cesariana. Saiu da sala de parto deixando um pai inconformado e uma mãe aterrorizada.
Novamente como doula, acalmei o casal. Lucas me disse que não teria mais forças para confrontar a médica, eu disse que isso não seria preciso, que bastava ele e Aline negarem a cesariana, sem discussões.
Aline então foi para o chuveiro e começou uma série de exercícios, a essa altura a banheira havia simplesmente parado de funcionar, tendo sido esvaziada e enchida por 2 vezes pela fotógrafa e uma enfermeira. Deixamos ela sozinha com seus pensamentos por alguns instantes, a pedido dela. Depois pediu que eu ficasse com ela e solicitou que  não a deixasse desistir.

A médica dessa vez demorou um pouco mais de 1h para retornar, o que de certa forma causou um alivio em todos, mas o clima de tensão ainda pairava no ar. Pediu que Aline saísse para ser examinada, solicitou que ficasse deitada, auscultou, novo toque, 8 cm e indicou a cesariana. Pediu licença e saiu da sala. Aline me olhou apavorada, Lucas nervoso. Acalmei-os como pude. A médica retornou e disse que indicava a cesariana por parada da evolução no trabalho de parto. Lucas então falou que eles não gostariam de uma cesariana, perguntou se estava tudo bem com a bebê, a médica confirmou que sim, mas que isso poderia mudar, Lucas então pediu para esperar mais, pois sabia que o trabalho de parto poderia parar em algum momento e isso não era indicação de cesariana, a médica então afirmou que sim, era uma indicação, pois ela estava indicando. Me levantei e disse que ia deixar eles ali, para conversarem sobre o que iam decidir, a médica achou pertinente e saiu também. Médica saiu para recepção da enfermagem, enquanto eu permaneci na antessala da sala de parto. Entrei e eles estavam decididos a esperar mais. A médica entrou, ouviu contrariada a decisão do casal e deu o prazo de mais 1h.

Voltamos para o chuveiro, bola, chuveiro. Aline cansada. Propus que ela deitasse um pouco de forma que ficasse confortável e procurasse descansar, pois o corpo precisa de um descanso muitas vezes, mesmo durante o trabalho de parto. Ela deitou por alguns minutos, agradeceu. E novamente me pediu que não a deixasse desistir. Ela sentia fome. A fotógrafa foi até as enfermeiras solicitar algo para Aline comer, a médica então negou. A médica veio 30 minutos depois e auscultou novamente.
Aline preferiu então sentar em uma poltrona, ajudei a acomodá-la e ela conseguiu descansar um pouco.

O medo causado pela pressão da médica fez com que Aline travasse, liberando adrenalina e diminuindo sua produção de ocitocina. O plano dela e do esposo, era aguardar a troca de plantão. Resistir. Estavam cientes de sua decisão e empoderados.

Essas cenas se repetiram até as 6h da manhã, quando então Aline estava no chuveiro e tinha a companhia do esposo, enquanto eu aguardava na antessala, um momento de intimidade para os dois conversarem e quem sabe aumentar a produção de ocitocina. Novamente a médica adentrou a sala, ouvi vozes mais alteradas e entrei. Fiquei escorada na cama, com a médica de costas para mim na porta do banheiro, Lucas argumentando com ela e Aline no chuveiro, tentando se concentrar em vão.
Sugeri que eles conversassem no quarto, para que Aline pudesse se concentrar, concordaram, encostei a porta do banheiro e disse à Aline que chamasse se precisasse de algo.
Médica alterada, Lucas argumentando que eles não queriam uma cesariana, já que a bebê e a mãe estavam bem. Nesse momento, Lucas me olhou e eu perguntei para a médica se poderia esperar ao menos mais 1h, ela então disse que não e que ligaria para o médico que fez o pré-natal deles. Essa discussão durou 30 minutos.

A médica saiu, abracei o Lucas que estava exausto pela situação, conversei com ele e fui ficar com a Aline para que ele se acalmasse.  Logo, ele voltou e deixei-os novamente sozinhos para que conversassem. A médica voltou e foi falar com eles. Ela afirmou que a confiança médico-paciente havia sido quebrada e que ela não poderia mais acompanhar eles, Lucas disse que tudo bem, que eles aguardariam o próximo plantonista, ela disse que ele teria a mesma conduta dela. Ela retornou mais 2 vezes antes da troca de plantão.

Trocou plantão, tentei religar a banheira, sucesso, voltou a funcionar. O novo plantonista deu uma injeção de animo em todos, fez toque e afirmou que ela estava realmente com 8 cm, com um edema no colo uterino, que poderia ter sido causado pelo excesso de toque, falou que a bebê estava bem, que ela estava indo muito bem, indicou que ela se exercitasse e que tudo daria certo, falamos que ela estava com fome, ele ficou surpreso por não terem dado nada a ela e permitiu que ela recebesse um belo café da manhã. Aline comeu e com mais ânimo retornou à banheira, onde cansada de todo stress, dormiu. O que se segui depois foi respeito pelo seu espaço e autonomia. Não houveram toques de hora em hora. Não houveram prazos.

Aline acabou em uma cesariana devido ao edema que não cedeu, as 13h 18 min.

A presente nota antecede o relato de doulagem e parto que terá mais detalhes de momentos lindos que houveram durante o tempo que o parto da Aline e do Lucas fora respeitado.

Ressalto que como doula, jamais interfiro nas DECISÕES da equipe médica, meu papel é informar e auxiliar o casal quando solicitada e essa foi minha conduta, como doula estou à disposição da família e assumo minha responsabilidade perante meus atos.

Apesar de tudo que presenciei e testemunhei, em momento algum confrontei a médica. Mesmo vendo que o parto humanizado não estava sendo respeitado naquela instituição.
Em momento algum interferi em suas decisões. As objeções foram feitas pelo casal ,que estavam muito bem informados e empoderados, seguros de suas decisões. Se transmitir informação durante a gestação a um casal que solicita é interferir no trabalho de uma médica, então eu me declaro culpada disso, pois jamais deixaria de passar informação correta, coerente e cientificamente embasada aos casais, gestantes e demais interessados que procuram por mim com esse fim. Meu trabalho como doula também é informar, não são apenas palavras de conforto, apoio e encorajamento, não são apenas técnicas de alívio da dor ou exercícios que estimulem o parto. O momento de usar essas informações não é decidido por mim e sim pelo casal.

Primo pelo bem estar das famílias que me contratam, físico e emocional e jamais faria algo que pusesse em dúvida meu comprometimento com a causa da humanização ou prejudicasse a parturiente que acompanho. 

Portanto, quaisquer maledicências que venham contra os fatos ocorridos, testemunhados e presenciados por quem estava lá, não deverão ser levadas em consideração, serão falácias sem qualquer validade.

Atenciosamente,

Laura Müller Sagrilo

Doula

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